sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Indígenas nas Universidades





É preciso que saibamos por onde anda os nossos passos, ou seja, que tenhamos pelo menos uma trilha, conhecer o caminho que estamos percorrendo. Pois na minha experiência enquanto uma universitária indígena, por várias vezes, me senti perdida, sem saber para que lado caminhar. Na minha comunidade sempre fui uma jovem militante na defesa das "causas indígenas", porém desde que sai da minha aldeia, devido à distância, tive que me afastar, afinal, a minha ida à comunidade se resume a uma vez por ano, o que sinto me acarretar serias perdas espirituais e culturais, além, é claro, da constante sensação de angústia e de saudade. Confesso que neste novo contexto por várias vezes decidi voltar ao meu povo, bem como por varias vezes oscilei quanto a minha identidade étnica, quis negar as minhas origens. Era tão difícil enfrentar as pessoas que cobravam de mim a todo o tempo, a "imagem de índio". Na pesquisa de conteúdo para o meu TCC, encontrei uma reportagem que me fez refletir por dias. Dentre o escrito encontrava-se:   
"O índio não é uma questão de cocar de pena, muçum e arco e flecha, mas sim uma questão de „estado de espírito‟. Um modo de ser e não um modo de aparecer. Na verdade, mais do que isso, a indianidade designa um modo de devir." 

Foi incrível o quanto essas palavras disseram da minha experiência enquanto uma indígena na universidade e na cidade. Às vezes, que me apresentei como indígena para alguns, obtive como retorno uma cara de recusa e desdém, seguido da fala: "Nossa, mas você não parece nada com índia, índio tem um rosto mais expressivo, cabelos lisos, longos e negros. Você é índia de pai e de mãe?" – "Você acha que eu não pareço uma índia?". Daí respondendo que sim, meus traços são claros de minha origem, talvez desconhecida por muitos, mas consigo ver claramente com essas interlocuções um rosto misto de dúvida e decepção. Isso, sem falar nas vezes que ouvi: "Você é índia nada, é tão inteligente, se veste bem... Sim, mas se você é índia, lá na sua aldeia as pessoas andam peladas?" É possível imaginar como eu me sentia em meio a essas exclamações e essas perguntas, que me pareciam "agredir".

Na minha vivência na cidade e na faculdade, observei que nós, indígenas, podemos sofrer dois tipos de preconceitos e discriminação: quando somos "atrasados" ou se somos "instruídos". Se somos "atrasados" não deveríamos estar na faculdade, estamos tomando a vaga de quem realmente sabe estudar; e se somos um indígena instruído, estudioso e político, deixamos de ser índio. Estranha essa percepção, mas ela foi real para mim, percebo que a sociedade brasileira ainda tem uma visão limitada do indígena, ainda quer o índio de 500 anos atrás. Por isso, o fato de estarmos nesses espaços é "anormal", é como se tivéssemos que viver numa sociedade oposta à sociedade moderna. Até parece que não somos brasileiros e não fazemos parte da construção e da população do país.

Na universidade aprendi muitas coisas, não tive nenhuma dificuldade de adesão ao conhecimento acadêmico que fosse gritante, porque cresci tendo escolarização de uma escola comum. Mas reconheço os problemas que demais parentes encontram nesse universo. Mas na instituição em qual aderi o conhecimento superior nunca vi nenhum tipo de discussão a respeito das populações indígenas do Brasil. Em sala de aula poucos professores refletiam a problemática indígena junto aos universitários. Fico a imaginar como isso ocorre nesse "Brasilzão", afora. Como perceber-se indígena em um contexto que não lhe é favorável? Nós, indígenas, estamos sendo ousados, lutando por autonomia, e nos vemos em uma situação cada vez mais em que o individual tem sido em prol do coletivo, pelos menos enquanto uma "idéia", enquanto um projeto político. Por isso é viável que estejamos atentos à questão de um indígena formado academicamente para que este tenha recursos e possibilidades reais de atuar em beneficio de todos. Caso contrário, estaremos transformando um indígena em algo novo, aculturado, uma vez que o mesmo pode ter respaldo do seu saber científico apenas nos setores "privados" das grandes cidades, carregando consigo uma história étnica que ficou à margem da sua existência comunitária.

Reflexões feitas por Nita Tuxá (Psicologa) em sua monografia "Indígenas em conexto acadêmico: qual a dinâmica deste novo enlace?"

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