sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Lembrança das nossas terras


Ao longo dos 100km de margem do rio São Francisco atingidos, e da inundação de cerca de 834 m², foram deslocadas cerca de 7.000 mil famílias,com uma população aproximada de 40.000 pessoas,entre elas cerca de 200 famílias Tuxá, constituídas por aproximadamente 1.200 índios,que perderam sua aldeia em terra firme, e a ilha da Viúva,onde desenvolviam suas atividades agrícolas e pastoril. O deslocamento foi extremamente difícil para os índios mais velhos, sendo que vários deles morreram, não suportando o impacto de ver a ilha da Viúva e aldeia sendo completamente inundadas,como conta o Pajé Armando:
Muitos morreram de desgosto, por causa dessas coisas assim, daqueles objetos que foi criado pelos avôs, pelos avós, pelos pais deles, e vê se acabar assim, e chegar nunca mais ver. Aquela terra que vivia toda hora, toda hora você pisava em cima dela, na terra que nasceu ali, que se criou ali, e era dos avós e dos pais e tudo. Aquela amizade grande que tinham na ilha, uma passava para lá, outros passavam para cá, um dizia uma coisa comum, outro dizia uma coisa com outro. Então isso, muito das pessoas mais velhas, pensavam isso, e daquilo ali, foram indo, foram indo. Foi chegando outras coisas. Aí chegou a hora de morrer. Mas por causa daquilo, isso acontecia. Sentiram muito.”
O pajé Armando comenta também sobre o desaparecimento das plantas medicinais tradicionais, utilizadas pelos Tuxá para cura de diversas doenças:
“... depois da barragem, foi uma coisa que a gente nunca esperou né. Porque muitas coisas a gente acha que nós perdemos, nessa nossa mudança. Primeiro que nós vivia numa ilha, que só era nós. Uma ilha que o branco ou o negro só ia, se nós a negócio levasse. Não sabia de nada, não sabiam da nossa religião. Nessa época eles não sabiam. Sabiam mas não como hoje, que todo mundo está sabendo. E por outro lado, nós perdemos muito, eu já falei, o terreno, e sobre outras coisas. Vamos dizer assim na parte de curar, de atender uma pessoa. Perdemos muita coisa. Naquela ilha, devido a gente ter aquela fé, aquela confiança, tudo que a gente fazia, a gente via na hora. Tudo que a gente pedia , a gente via, porque? Porque só era o índio que andava por aí. Não pisava outro rastro, a não ser do índio... Essas árvores aí, tudo era umas árvores, que o cabra chegava com uma dor de barriga, com um negócio, com uma coisa ruim , chegava tirava uma casca, uma folha fazia umchá, aquilo ali desaparecia na hora. O cabra não sentia mais nada.  Eu digo nós perdemos isso tudo, e outras coisas também que ... erva que se tirava lá do rio, dentro d’água, nas pedras, nos carreiros, esse rio todo era cheio de carreira, cheio de pedra nesse rio aí. Ás vezes para curar o povo, eles iam buscar lá. Aquele serrote mesmo, embaixo no pé dele, tinha assim um bolo de terra, virado para lá, um bolo de terra que eles tiravam também as ervas, para curar o povo. Fazer remédio para curar o povo e os índios mesmo, para quando o índio precisava. Isso tudo nós perdemos por causa da barragem. Aqui na mata, onde tem todo o remédio, que a Pequena curava o povo, perdido também. Nesses lugares, foi aonde fizeram os projetos, pronto acabou com o remédio. Saia aí no mato atrás de um remédio, não encontrei, porque? Porque no lugar aonde tinha as ervas, foi onde fizeram os plantios. Plantaram coqueiro, plantaram mangueira, plantaram isso, plantaram aquilo. Isso tudo nós perdemos.  Hoje para encontrar um remédio aqui para fazer para uma pessoa, a gente roda, a pessoa roda para fazer um remédio. Porque não tem mais. Tem que a CHESF dá a nossa terra , para ver se isso ainda vai um dia se criar.”
Pajé Armando comenta sobre o Rio São Francisco e a Ilha da Viúva: 
“Era uma vida sadia. Colocava a esteira na porta da casa, e ficava olhando as estrelas. Porque as águas são vivas até a meia noite. Meia noite em ponto ela dorme. Quando dá 12 horas da noite, aí você vê as cachoeiras tornar a começar a chiar.  Aí quando chegava meia noite em ponto, você via ficar silêncio, não via zoada de cachoeira nenhuma. Mas quando dava 12 horas da noite, da madrugada, você via começar aqueles estrondo, aquelas coisas...Era bonito demais, rapaz. Meia noite é meia noite em ponto. Na hora que se diz, ‘o que está bom está parado, e o que é ruim começa’. Aí quando é madrugada, a primeira cantada do galo, que já é outro dia, aí o mal se arretira, e o bem chega.Aí nesse rio, a gente via muita coisa, muita coisa aí nesse rio, que era da gente né, dos antepassados. Já hoje não tem mais, ninguém encontra mais. Porque aquele lugar que eles viviam, terminaram tudo. Por isso às vezes eu fico pensando, está existindo uma fraqueza assim, em certas coisas no meio da gente por causa disso aí. Porque acabou-se. Aquele lugar sagrado acabou-se. Aquele cruzeiro ali, aquele serrote ali, eu alcancei um tempo, que os índios faziam festa lá, mas festa assim, da religião deles né. Não é festa de dançar, não. Festa da religião deles, faziam lá no serrote. Hoje em dia ninguém faz mais. E também não tem mais aonde, está tudo alagado. Isso tudo já é uma coisa, que quebra uma parte da força da gente, né. No mato, nesse tempo era uma mata virgem. Também já está tudo destroçado, né. Isso tudo é fraqueza para gente hoje em dia.”


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